Blog da Pina
Postagem: Organização Social: um modelo de gestão para a cultura no Estado de São Paulo
A partir de 2005 o modelo de gestão por Organização Social de Cultura passa a ser realidade para os museus do Estado de São Paulo, quando se dá início às assinaturas dos Contratos de Gestão entre as Organizações Sociais e a Secretaria da Cultura Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo – SCEIC – SP. O modelo, gerador de muita polêmica, tem se mostrado indiscutivelmente profícuo na medida em que trouxe ganhos, agilidade e maior transparência para a administração pública, para os museus e para o público. Não obstante este modelo encontra um terreno fértil no qual a gestão museológica qualificada vem sendo amplamente discutida e cada vez mais premente para os museus.
“É preciso pensar a cultura enquanto presente porque ela é um organismo vivo, em constante transformação. E sua materialização depende de uma intrínseca relação entre criatividade, planejamento e oportunidade. Criatividade para a criação, planejamento para a execução e oportunidade porque o imprevisto, seja ele positivo ou negativo, é parte integrante da atividade cultural”
PONTES, ELIZABETH. Por uma gestão pública: Organizações Sociais, OSCIPS e a gestão pública não Estatal na área da cultura. São Paulo: Rumos Itaú Cultural, 2012.
1. A Reforma do Estado
É importante compreender a implantação do modelo de gestão por Organização Social, em São Paulo, em um maior âmbito, aquele do contexto da Reforma do Estado ou reforma da Gestão Pública, realizada na década de 90.
A partir da década de 70 o Estado entrou em crise, face ao crescimento distorcido da população e ao processo de globalização, tornando-se a principal causa da redução das taxas de crescimento econômico, da elevação das taxas de desemprego e do aumento da taxa de inflação (BRESSER-PEREIRA, 1997).
Com intenções de mudanças econômicas, fiscais e gerenciais a Reforma envolvia quatro problemas:
a. A delimitação do tamanho do Estado;
b. A redefinição do papel regulador do Estado;
c. A recuperação da capacidade financeira e administrativa de implementar as decisões políticas tomadas pelo governo;
d. O aumento da governabilidade ou capacidade política do governo de intermediar interesses, garantir legitimidade e, governar.
Assim, sob a liderança do então ministro da Administração e Reforma do Estado, Luiz Carlos Bresser Pereira, a reforma indicava, dentre seus objetivos, a qualificação de carreiras e de gestores públicos e a operação eficiente da máquina pública, visando um aparelho de Estado forte, eficiente e mais moderno e, compreendia três dimensões:
[…] a) uma dimensão institucional-legal, voltada à descentralização da estrutura organizacional do aparelho do Estado através da criação de novos formatos organizacionais, como as agências executivas, regulatórias, e as organizações sociais; b) uma dimensão gestão, definida pela maior autonomia e a introdução de três novas formas de responsabilização dos gestores – a administração por resultados, a competição administrada por excelência, e o controle social – em substituição parcial dos regulamentos rígidos, da supervisão e da auditoria, que caracterizam a administração burocrática; e c) uma dimensão cultural, de mudança de mentalidade, visando passar da desconfiança generalizada que caracteriza a administração burocrática para uma confiança maior, ainda que limitada, própria da administração gerencial. (BRESSER-PEREIRA, 1995).
Diversas estratégias foram levadas a termo, como a criação de novas carreiras de servidores públicos; a privatização das atividades econômicas que poderiam ser racionalizadas pelo mercado; a instituição de agências reguladoras; e o planejamento e financiamento públicos de serviços sociais e científicos não exclusivos do Estado, via publicização desses serviços, que passariam a ter suas metas contratualizadas com a sociedade civil (NETTO, 2015).
Uma outra forma de conceituar a reforma do Estado em curso, é entendê-la como um processo de criação ou de transformação de instituições, de forma a aumentar a governança e a governabilidade […]. É no sentido de enfrentar a crise de gestão do Estado que se coloca a proposta de se qualificar organizações sociais para assumirem a prestação de serviços não exclusivos do Estado (BRESSER-PEREIRA, 1997, p. 19).
Desse brevíssimo relato sobre a Reforma do Estado nos interessa, em particular, o processo de delimitação da área de atuação do Estado, no qual se reconheceu que o mesmo não deveria executar diretamente as atividades nas áreas sociais e cientificas, por não lhe serem exclusivas e por não envolverem poder de Estado, sendo elas: escolas, universidades, centros de pesquisa científicos e tecnológicos, creches, hospitais, museus, orquestras sinfônicas, emissoras de rádio e TV, dentre outras.
Isso porque os maiores problemas identificados no Estado brasileiro eram o excesso de burocracia e formalismo, nos quais pairavam a falta de instrumentos e incentivos para o constante aprimoramento dos serviços acima apontados, falta de agilidade e busca de resultados concretos.
Sobre a crise de gestão do Estado, Claudia Costin comenta que
[…] as amarras burocráticas próprias de órgão da administração direta são, em parte, necessárias para coibir o clientelismo. São, no entanto, um problema grave quando se lida com atividades que requerem criatividade, flexibilidade e agilidade, próprias das atividades artísticas” (COSTIN, 2005, p. 114).
Portanto, um dos pontos da Reforma visava formular as bases legais de um novo modelo de prestação de serviços públicos, uma parceria entre o poder público e instituições sem fins lucrativos, que passariam a prestar os tais serviços não exclusivos do Estado, as atividades chamadas finalísticas, dando origem a um modelo de gestão pública conhecido como publicização, contratualização ou simplesmente gestão pública não estatal a ser aplicada nas áreas da saúde, ciências e tecnologia e da cultura.
No caso, pessoas jurídicas sem fins lucrativos – na forma de associações, fundações ou institutos – diretamente controladas pela sociedade por meio de seus conselhos de administração, recebem uma qualificação tendo cumprido certos pré-requisitos, que lhes permite firmar parcerias com o Estado a fim de receber recursos públicos para administrar bens e equipamentos do Estado (PONTE, 2012). Por sua vez, esses entes assumem compromissos de cumprir obrigações e metas.
Importante ressaltar que havia o claro entendimento de que as atividades não exclusivas do Estado não deveriam permanecer dessa forma, mas tampouco não se justificava sua privatização, pois tratava-se de atividades subsidiadas pelo Estado e, em alguns casos, por doações voluntárias da sociedade e, nunca deveriam estar voltadas para o lucro e o consumo privado, alicerce das empresas privadas.
Que fique claro que Privatização é o processo de transformar uma empresa estatal em privada e, Publicização é o ato de transformar uma organização estatal em uma organização de direito privado, mas pública não-estatal, ou seja, estamos falando de uma “terceira forma de propriedade relevante no capitalismo contemporâneo: a propriedade pública não estatal” (BRESSER-PEREIRA, 1997, p. 25).
Seria a criação de um novo tipo de instituição pública não estatal, norteada pelo interesse público, balizado por estratégias e políticas traçadas por governantes eleitos, fiscalizado pelo Estado, comprometido com a transparência, submetido ao controle social e dotado da autonomia necessária à constante busca de eficiência e excelência (LOBO, 2014, p. 30).
Organização Social e Publicização foi o nome dado ao projeto incluído no Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, lançado em 1995 pelo governo federal. Em 1998 foi promulgada a Lei nº 9637, a chamada Lei das OSs.
Entretanto, na ocasião, o grupo de oposição ao Governo Federal vigente, foi contrário às propostas de Reforma do Estado, tendo como alvo principal as privatizações que viriam a acontecer, como foi o caso da área de telecomunicações. Nesse contexto, a perspectiva de publicização era, aos olhos desse grupo, uma forma de privatização camuflada do setor público. Incapaz de impedir a aprovação da nova legislação esse grupo entrou, em dezembro de 1998, com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra a Lei nº 9.637 e apresentou ao Supremo Tribunal Federal uma solicitação de Medida Cautelar para suspender imediatamente todos os efeitos da referida lei.
O desenrolar dessa Ação não impediu que vários Estados implantassem versões locais da Lei de OS, mas mantinha um certo grau de incerteza dentre seus agentes e defensores. Finalmente, em 16 de abril de 2015, o Supremo Tribunal Federal indeferiu a ADI e votou a favor da Lei das OSs, concordando que a execução de serviços públicos como saúde, ensino, pesquisa, cultura e preservação do meio ambiente não é de exclusiva responsabilidade do Estado, desde que sejam obedecidos os critérios de fiscalização previstos no artigo 37 da Constituição Federal, que determina obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Não obstante, e a meu ver, foi essa batalha que acabou resultando numa propaganda negativa sobre o modelo de gestão e, parte da sociedade ainda defende ser a gestão por publicização uma forma de privatização, em grande parte por falta de conhecimento dos detalhes da legislação e dos resultados logrados.
2. A implantação do modelo no Estado de São Paulo e a reestruturação da Secretaria da Cultura Economia e Indústria Criativas – SCEIC – SP
A partir da Lei nº 9637/1998, vários Estados da Federação começaram a implantar versões locais da Lei de OS.
Especificamente na área cultural, em 1999, foi inaugurada a primeira Organização Social na cidade de Fortaleza – Ceará, para administrar o Dragão do Mar – Centro de Arte e Cultura, experiência essa seguida pelos Estados da Bahia e Minas Gerias que também foram aderindo ao novo modelo.
No Estado de São Paulo essa adesão se deu por meio da Lei Complementar 846 de 1998, promulgada pelo governador Mário Covas, criando a possibilidade de qualificação de Organizações Sociais nas áreas da saúde e cultura.
O então Secretário da Cultura, Marcos Mendonça, sabendo dos estudos que se desenvolviam na Casa Civil, com vistas à qualificação das OSs para a área da saúde, conseguiu, “em uma ação resultante de última hora” (CONSTIN, 2005), que se fizesse incluir a área da cultura na Lei. “Preocupava o Secretario a inadequação do modelo vigente para operar a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo – OSESP (Ibid., p. 111). A tônica de se propor usar o modelo de gestão por publicização, no Estado de São Paulo e para a área da cultura, estava na necessidade de se regulamentar os profissionais da área, que eram contratados de forma inadequada, por conta das normas de contratação do setor público.
A SCEIC – SP havia tentado suprir a carência de pessoal com quadros de contratados, que incluía os contratos via BANESER e, posteriormente, por contratos temporários sem vínculo empregatício, os chamados credenciados.
Essas formas de contratação deram oportunidade a desvirtuamentos de todos os tipos: os funcionários fantasmas, falta de perfil específico para os cargos, salários inadequados e os credenciados que, pese a questão temporária que permeia a natureza de prestação de serviço, trabalhavam para a Pasta a anos. Em 2003 esses credenciados totalizavam 3.500 profissionais espalhados pela Secretaria e pelos equipamentos culturais do Estado (LEVY apud CRUZ, 2009).
Por conta dessa realidade o Ministério Público do Trabalho impôs a Secretaria um Termo de Ajuste e Conduta (TAC), a partir do qual ficou determinado que todos os funcionários que se encontrassem nessa situação deveriam ser desligados até julho de 2007 (CRUZ, 2009).
Além disso, a falta de pessoal na Secretaria precedia um problema de gestão que recaia na falta de rotinas de trabalho e de pessoal para formulação, execução e controle de políticas de cultura, principalmente no que diz respeito ao acompanhamento das atividades realizadas nos equipamentos da Secretaria.
Afora o problema de recursos humanos, havia uma questão de ordem financeira, já que a área da Cultura sempre representou um dos menores orçamentos do Estado.
A questão se desdobrava em dois aspectos: os equipamentos culturais que integravam a Secretaria não se estabeleciam, no orçamento, como unidades de despesas, portanto o Estado não conhecia o quanto, de fato, custava manter cada equipamento, sendo assim, os recursos disponíveis para a manutenção de suas atividades eram menores do que as demandas reais da área.
A Secretaria concentrava seu orçamento e o distribuía de acordo com os projetos apresentados ou com “a visibilidade política que as unidades poderiam oferecer. Essa forma de administrar foi objeto de questionamento por parte do Tribunal de Contas do Estado, que percebia indícios de má gestão, fracionamento de licitações e de abuso de um expediente que tem como característica a excepcionalidade” (CRUZ, 2009, p. 11).
Pese a inclusão da área cultural na Lei de 1998, nenhuma OS foi qualificada ou Contrato de Gestão assinado até 2004, quando, então, as Organizações Sociais Fundação OSESP e Amigos do Projeto Guri passaram a administrar a Orquestra Sinfônica do Estado e o Projeto Guri, respectivamente.
Esse acontecimento explica-se pelo fato de que, durante esse período, a proposta do modelo gerou desconfiança tanto nos profissionais dos equipamentos culturais, que não tinham segurança na proposta de repasse de verba e acompanhamento pelo Estado, quanto nos funcionários da Secretaria, que consideravam o modelo uma forma disfarçada de contratação de mão de obra e de redução do papel do Estado na execução da política cultural (em fase de elaboração).
Assim sendo, a implantação do modelo teve início durante a gestão de Claudia Costin como Secretária da Cultura (2003 a 2005), cujo ponto focal da administração foi transpor essas resistências, logrando a implantação do modelo com a qualificação das primeiras Organizações Sociais, que assinariam os primeiros Contratos de Gestão.
Na área museológica, a primeira Organização Social a ser qualificada foi a Associação dos Amigos da Pinacoteca do Estado, em 2005 que, em dezembro do mesmo ano assina seu primeiro Contrato de Gestão com a Secretaria.
Conforme a entrevista realizada com Silvia Antibas, que durante a implantação do modelo coordenava o Departamento de Museus e Arquivos – DEMA da Secretaria da Cultura, todo o trabalho de desenvolvimento de como se daria o modelo de gestão foi realizado sob coordenação da Secretária Claudia Costin, em conjunto com a Casa Civil do Governo do Estado, a Consultoria Jurídica da Secretaria e os coordenadores dos demais departamentos que, a partir do que estava sendo realizado na área da Saúde, desenharam o que seria praticado na área da Cultura.
Ainda, segundo Antibas, foi extremamente profícuo o fato de que maioria dos museus já contavam com o apoio de Associações de Amigos, entidades sem fins lucrativos cujo objetivo era, por meio da participação da sociedade civil, lograr ajuda financeira para seus específicos museus. Era crescente o uso das Leis de Incentivo à Cultura, a participação em editais de fomento, bem como a contratação de pessoal especializado via as Associações. Essas Associações, no ato da implantação da gestão por OS, foram incentivadas pela SEC a se organizarem dentro dos requisitos da lei, a fim de serem qualificadas como Organizações Sociais da Cultura e poderem celebrar os Contratos de Gestão com o Estado.
“Como já trabalhávamos com as Associações de Amigos, nós (Departamento de Museus e Arquivos – DEMA) tínhamos a experiência de trabalhar com ONGs junto dos museus. Isso deu uma experiência ótima para formularmos o nosso modelo de gestão junto com as OSs. Porém, nós tivemos de aguardar, naquele momento, que as Associações se qualificassem como Organizações Sociais” (informação verbal).
Em entrevista com Claudineli M. Ramos, que passa a ser Coordenadora da Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico – UPPM em 2008, a mesma destaca que, nesse início, a gestão por OS não é tanto um modelo de parceria, mas sim um modelo de fomento, visto que a SEC vislumbra a importância de se fomentar a qualificação das Associações dos Amigos. Isso porque, naquele momento, não existiam Instituições da Sociedade Civil com histórico de atuação na área cultural capazes de se qualificarem como Organizações Sociais e assumirem a parceria com o Estado (informação verbal).
Cumpre destacar que essas primeiras Organizações Sociais, oriundas das Associações dos Amigos dos museus de São Paulo, tiveram, na sua origem, o que se costuma chamar de nascimento vocacionado, visto que cada uma delas já estava organizada em torno de um museu específico e possuía em seu cerne o objetivo de administrar aquele determinado museu e nenhum outro. Tanto foi assim, que os primeiros Contratos de Gestão foram diretamente assinados com essas OSs, sem a utilização, ainda, das convocações públicasix.
Vencida essa primeira etapa, essas Organizações Sociais se desenvolveram em estruturas mais robustas e altamente profissionalizadas, com governança interna bem estruturada, bastante diferente da composição inicial das Associações de Amigos. O setor foi evoluindo e aparecendo, inclusive, outras Instituições que se qualificaram como OSs. A SEC percebeu que já era hora de dar início as convocações públicas, para seleção de qual OS administraria seus equipamentos culturais. De tal modo, em 2009 a UPPM é a primeira Unidade Gestora da Secretaria a publicar uma convocação pública, no caso para administrar o Museu Afro Brasil (informação verbal).
Sendo assim, as Associações dos Amigos constituíram base para o ideal de participação da sociedade civil que preconizava a Reforma do Estado, idealizada por Bresser Pereira, na qual
[…] o Estado estará agindo em parceria com a sociedade e de acordo com seus anseios. (…) Será um Estado que não utilizará burocratas estatais para a executar os serviços sociais e científicos, mas contratará competitivamente organizações públicas não-estatais (BRESSER–PEREIRA, 1997, p. 52).
Vimos que a SCEIC – SP precisou fazer uso do modelo de gestão por Organização Social para sanar os problemas oriundos das dificuldades de contratação de recursos humanos apropriados, tanto no que dizia respeito a falta de perfil específico para alguns cargos, quanto com relação aos salários inadequados e vínculo empregatício precário.
Essa questão incidia não só nos equipamentos culturais do Estado, mas na própria estrutura da Secretaria, o que desencadeava em outro problema: a falta de rotinas de trabalhos e de pessoal para formulação, execução e controle de políticas públicas de cultura, bem como a falta de acompanhamento das atividades realizadas nos equipamentos. Portanto, pode-se dizer que a adoção do novo modelo visava sanar essa fragilidade estrutural da SEC e, por outro lado, o próprio uso do modelo fez com que fosse necessária uma reformulação na estrutura da Secretaria que desse cabo das demandas de uma gestão qualificada.
No caso específico da SCEIC – SP, uma das razões da implantação do modelo de OSs, foi justamente pela fragilidade estrutural da SEC que, nós sabemos, não lograva ter um corpo funcional a altura das suas necessidades. Então essa fragilidade estrutural em termos de funcionários, foi uma das razões que levou a adoção do modelo de gestão. Além disso, a própria estrutura, a maneira como a Secretaria se organiza e pensa, foram reformulados e, tiveram de ser com a adoção do modelo de gestão. Porque a Secretaria passou de ser uma Secretaria executiva, ou seja, uma Secretaria que desempenha ações, para ser uma Secretaria propositiva, em termos de diretrizes e de acompanhamento, monitoramento e avaliação (informação verbal).
A reorganização da Secretaria acontece a partir do Decreto nº 50.941, de julho de 2006, que revoga o Decreto nº 20.955, de 1 de junho de 1983. A alteração de uma Secretaria executiva para uma Secretaria propositiva fica clara quando se analisa, em ambos os Decretos, os Campos Funcionais da SEC e as Estruturas Básicas ali propostas.
Decreto n. 20.955 de 1 de junho de 1983. Título II – Artigo 2º. Constitui o Campo Funcional da Secretaria da Cultura: |
Decreto n. 50.941 de 5 de julho de 2006. Título II – Artigo 2º. Constitui o Campo Funcional da Secretaria da Cultura: |
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Quadro 1 – Comparativo dos Decretos 20.955, de 1 de junho de 1983, e 50.941, de 5 de julho de 2006, com relação ao Campo Funcional da Secretaria da Cultura.
Fonte: Bianca Corazza, com base em SÃO PAULO (1994, 2006).
Enquanto o Decreto de 1983 discorre sobre execução e promoção, o Decreto de 2006 coloca como Campo Funcional da SEC a formulação, planejamento, coordenação e execução da política cultural do Estado. Todos os do primeiro Decreto passarão a vigorar no Decreto posterior como eixos temáticos da “formulação, proposição de diretrizes, planejamento, coordenação e controle estratégico”. A esses eixos temáticos incorpora-se a preocupação com o monitoramento e avaliação das atividades descritas e que viriam a ser pontos focais no acompanhamento dos Contratos de Gestão. Por isso e, não obstante, como um novo item, alia-se a “supervisão da administração dos equipamentos culturais e recebimento e análise de relatórios de gestão”.
Portanto, fica claro que o Campo Funcional da Secretaria teve que abarcar as demandas oriundas do modelo de gestão por Organização Social, na qual a parceria com entes privados se faz a partir da formulação de diretrizes e políticas públicas claras e, do controle e monitoramento das ações desenvolvidas, por meio de critérios de avaliação estabelecidos e, transparência e bom uso dos recursos públicos.
Enfim, as mudanças na estrutura da Secretaria completavam as alterações necessárias para se pôr em marcha a operação do modelo.
Decreto n. 20.955 de 1 de junho de 1983. Título III. Capítulo 1. Artigo 3º
Da Estrutura básica. |
Decreto n. 50.941 de 5 de julho de 2006.
Título III. Capítulo 1. Artigo 3º Da Estrutura básica: |
A Secretaria da Cultura tem a seguinte estrutura básica:
I – Administração centralizada;
II – Administração Descentralizada: Fundação Padre Anchieta – Centro Paulista de Rádio e TV Educativa.
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A Secretaria da Cultura tem a seguinte estrutura básica:
I – Gabinete do Secretario II – Conselho Estadual de Cultura III – Conselho de Orientação da Loteria da Cultura IV – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado – CONDEPHAAT V – Comissão de Avaliação VI – Unidades de Atividades Culturais
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Quadro 2 – Comparativo dos Decretos 20.955, de 1 de junho de 1983, e 50.941, de 5 de julho de 2006, com relação à estrutura básica da Secretaria da Cultura.
Fonte: Bianca Corazza, com base em SÃO PAULO (1994, 2006).
Primeiramente percebe-se uma separação clara entre os Conselhos e as Unidades de Atividades Culturais que, por sua vez, substituem os Departamentos. A alteração de departamento para unidade é extremamente significativa e demonstra uma intenção clara de melhoria na organização das equipes, que atuavam em contato com os equipamentos da Secretaria e os profissionais desses equipamentos, que ali desenvolviam as atividades finalísticas. É de se conceber que a Secretaria passa a adotar a ideia de Unidade Estratégica de Negócio, que designa uma entidade dentro de uma Organização, com a sua própria missão, objetivos e estratégias e que possui autonomia estratégica e operacional (STRATEGIC…, 2016). Dentro dessa premissa se organizam as Unidades que passaram a desenvolver as diretrizes e realizar o acompanhamento das áreas arquivística, museológica, de difusão cultural e de fomento.
O Departamento de Museus e Arquivos – DEMA, era composto por uma equipe que desenvolvia, basicamente, as ações de organização e atualização dos acervos e deveria: prestar orientação às unidades culturais e opinar sobre a prestação de assistência financeira para atividades; estabelecer programas de interiorização da cultura e estimular o relacionamento de suas unidades com as entidades da Capital, interior do estado, país e exterior. Além disso, cabia ao DEMA estimular a ampliação e a criação de bibliotecas no estado.
As Unidades estabelecidas pelo Decreto 50.941, por sua vez, abrangem uma estrutura segmentada em grupos ou departamentos que darão cabo das suas atribuições. No caso, a Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico – UPPM, que substitui o DEMA, ganha uma estrutura dividida em: Grupo de Preservação do Patrimônio Museológico; Grupo Técnico de Coordenação do Sistema de Museus do Estado de São Paulo e Núcleo de Apoio Administrativo, estando esse último presente em todas as demais Unidades.
Vale destacar que as Bibliotecas saem da estrutura da então UPPM para figurar na Unidade de Fomento e Difusão de Produção Cultural, ligadas ao Departamento de Difusão Cultural, com Centro de Bibliotecas.
As atribuições da UPPM crescem ou são descritas com mais detalhamento em 18 itens do Artigo 51. Desses itens destacamos aqueles que já fazem alusão ao modelo de gestão por publicização, seja no que diz respeito as diretrizes de políticas públicas, seja no acompanhamento e avaliação e, inclusive, no acompanhemos dos projetos realizados com o uso de verbas incentivadas:
IV – Prestar orientação quanto às diretrizes de política cultural para seus equipamentos culturais e entidades congêneres, nacionais e estrangeiras.
VI – Colaborar na elaboração de projetos, normas e manuais de procedimentos, objetivando sua consciência e padronização.
IX – Realizar o acompanhamento e a avaliação de resultados dos Contratos de Gestão que tenham por objeto ações de exposição e preservação do patrimônio cultural dos museus do Estado, de acordo com os artigos 95 e 96 deste decreto.
XI – Produzir pareceres sobre projetos de incentivo e fomento à cultura na sua área de atuação.
XVI – Analisar processos e expedientes que lhe forem encaminhados
(SÃO PAULO, 2006).
É importante ressaltar que, para além das atribuições postuladas no Decreto a UPPM se organizou de forma a
[…] atuar no âmbito da efetivação de políticas públicas, com foco estratégico e de multiplicação das melhores práticas para todos os museus do Estado, pautando e supervisionando a gestão dos museus da SEC e estruturando o sistema se museus do Estado de SP. Não deve atuar na execução de exposições e capacitações pontuais ou outras ações de abrangência limitada ou meramente burocrática (UNIDADE DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO MUSEOLÓGICO, 2008, p. 5).
A Unidade Gestora dos museus se reorganiza estruturalmente, objetivando dar fim a grande rotatividade de pessoal a favor de uma equipe qualificada (ainda que pequena), composta inclusive por museólogos e técnicos. Em 2008, a UPPM cria os Comitês Técnicos, grupos de trabalho focados em acompanhar a execução dos Planos de Trabalho e metas fixados nos Contratos, dando início, inclusive, a visitas técnicas in loco, em cada Museu: Comitê de Política de Acervo, Comitê de Infraestrutura, Comitê Educativo, Comitê de Comunicação e Comitê de Indicadores (informação verbal).
Retornando ao Decreto o mesmo discorre sobre o significado de entidades museológicas, expondo publicamente e formalmente, por primeira vez, o conceito de museu que a SEC compartilha como o ideal a ser trabalhado.
[…] consideram-se entidades museológicas os equipamentos culturais caracterizados como instituições permanentes, com acervos abertos ao público para finalidade de estudo, pesquisa, educação, fruição e deleite, e que possuam um quadro de pessoal adequado ao seu funcionamento (SÃO PAULO, 2006, grifo nosso).
Além da apresentação da definição acima exposta, os equipamentos culturais são listados, um a um, no Artigo 71 do Decreto nº 50941 e fica estabelecido, por meio do Artigo 69, que esses equipamentos se destinam a consecução das atividades finalísticas da Secretaria da Cultura, ou seja, as atividades não exclusivas de serem desenvolvidas pelo Estado, podendo, portanto, sua gestão ser realizada por entidades privadas, em parceria com o Estado.
Percebe-se, assim, que existe uma preocupação em deixar claro as questões que legitimam o novo modelo de gestão, já no Decreto que reorganiza a estrutura da Secretaria, pois, uma questão não poderia estar desassociada da outra.
Os Artigos 94 e 95 do Decreto estabelecem as diretrizes e tarefas das Unidades Culturais na administração dos contratos de gestão, com Organizações Sociais, passando por: definição de diretrizes, avaliação das propostas das OSs, fiscalização por meio de visitas técnicas, medição do nível de cumprimento dos objetivos de cada contrato, medição da realização das metas estabelecidas nos Plano de Trabalho, elaboração de relatórios técnicos-financeiros e apresentação de pareceres à Comissão de Avaliação da Secretaria.
Outro capítulo a ser inserido nesse Decreto é o que apresenta as atribuições da Comissão de Avaliação, que havia sido criada pelo Decreto nº 43.493, de 29 de setembro de 1998, o mesmo que dispõe sobre a qualificação das Organizações Sociais.
A Comissão fica então responsável por fiscalizar a execução de todos os Contratos de Gestão da SEC, nos termos daquele Decreto e conta com uma célula de apoio administrativo.
Outra questão a ser destacada é o fato de que no Decreto de 1983 listava-se as atribuições dos Diretores dos equipamentos culturais, mais precisamente dos museus, que na ocasião eram nomeados pelo Secretário(a) da Cultura. Essa redação passa a não existir mais no Decreto de 2006, uma vez que os Diretores das instituições, a partir do novo modelo de gestão, passam a ser contratados pelo Conselho de Administração, órgão superior executivo da Organização Social.
A reestruturação da Secretaria da Cultura, em detrimento do modelo de gestão por contratualização, tem seu ápice com a criação da Unidade de Monitoramento dos Contratos de Gestão – UM, por meio do Decreto nº 59.046, de 5 de abril de 2013 (SÃO PAULO, 2013).
A Unidade de Monitoramento foi criada para atuar em todos os Contratos de Gestão da Secretaria da Cultura. Respondendo diretamente ao Secretário, são tarefas da UM o estabelecimento de diretrizes para que se realize o acompanhamento dos Contratos de Gestão, por cada Unidade Gestora. A Unidade de Monitoramento vem trabalhando na orientação e uniformização de procedimentos, desde a convocação pública, análise e processo de seleção da Organização Social escolhida para celebrar determinado Contrato, analisando e emitindo pareceres sobre as propostas orçamentárias das OS participantes na convocação pública; na avaliação da prestação de contas e conclusão do contrato.
Dentre as suas atribuições estão a elaboração de metodologias, normas, procedimentos e manuais referentes às atividades de monitoramento dos contratos. Também cabe a Unidade de Monitoramento a análise das prestações de contas, a partir da documentação enviada pela OS e dos pareceres realizados pelas Unidades Gestoras.
Compete à Unidade de Monitoramento, inclusive, elaborar recomendações anuais referentes à execução orçamentária do Contrato e auxiliar a Comissão de Avaliação em suas análises e pareceres.
A UM tem, ainda, como responsabilidade o estudo e publicização dos resultados do modelo de gestão por Organização Social, evidenciando como “Valores” (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2017f):
O Compromisso público: com a preservação e valorização do patrimônio, a defesa do interesse público e o zelo pelo bem comum.
A Ética: atuação ética no dia a dia, com respeito aos princípios da Administração Pública Estadual – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
A Transparência: nos processos internos e externos e nos resultados, com clareza e visibilidade, para auxiliar a avaliação social e a tomada de decisão na área cultural.
O Respeito: a todos os cidadãos, em sua diversidade, com tratamento justo, isento e igualitário.
O Comprometimento e responsabilidade: proatividade em relação ao cumprimento dos propósitos da Unidade e da SEC como um todo.
A Cooperação: cultivo do diálogo e da parceria com os agentes internos e externos e compartilhamento de informações e novos aprendizados.
A Excelência: empenho pela adoção das melhores práticas na execução dos serviços públicos, com simplicidade, inovação, agilidade, equilíbrio, alegria e foco no resultado.
Pensando, ainda, na alteração dos Departamentos da SEC em Unidades e, considerando a definição das Unidades Estratégicas de Negócio, pela qual cada uma possui uma estratégia especifica, percebe-se que o primeiro passo da reestruturação da Secretaria foi ordenar a lógica de trabalho das equipes que trabalhariam na linha de frente da implantação e acompanhamento do modelo de gestão por OS; como a Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico, a Unidade de Fomento e Difusão de Produção Cultural e Unidade de Formação Cultural. Um segundo passo foi a criação da Unidade de Monitoramento a fim de que essa pudesse tecer um olhar sobre o conjunto dessas Unidades, acompanhando a estratégia de trabalho de cada uma e propondo uma padronização nos processos, quando fosse o caso.
A última mudança e talvez a mais emblemática desse processo todo, tenha sido a criação da Unidade de Monitoramento, que ocorreu em 2014 e que, justamente, veio responder essa demanda da Secretaria: ter uma área especificamente voltada para essa atividade de monitoramento. Não só dos contratos, das metas e das ações, mas de um monitoramento do modelo como um todo, que pudesse inclusive desenvolver uma reflexão sobre os impactos do modelo, a médio e longo prazo, pensando em critérios, índices mais gerais. É uma ação que permite retroalimentar todo o processo com essas avaliações que vão indicar a adequação, a necessidade de correção de uma determinada diretriz, ou de um determinado procedimento” (informação verbal).
3. Legislação e a busca constante pela melhoria do modelo
A criação da Lei complementar nº 846 foi seguida pela concepção de Decretos e Resoluções específicos às OSs da área cultural, nos quais cada qual contribuiu para o amadurecimento do modelo de gestão no Estado, pontuando questões e importantes mudanças tais como: requisitos e parâmetros na gestão de seus recursos humanos e maior transparência na contratação e aquisição de serviços e produtos (neste caso trata-se do Decreto nº 50.611, de 30 de março de 2006). Tais questões foram se originando de demandas apresentadas pelas Unidades Gestoras dos equipamentos, pelos Órgãos de Controle do Estado, bem como das próprias Organizações Sociais, o que só deve evidenciar, por um lado, a complexidade da implantação desse modelo de gestão e, por outro lado, o caráter participativo de várias instâncias da sociedade na construção do modelo.
Sobre isso discorre Elizabeth Ponte (2012, p. 103):
Essas alterações e complementações nos dispositivos legais que regulam a publicização na área cultural em São Paulo revelam o processo de amadurecimento desse modelo, bem como a necessidade de revisão constante dos procedimentos e melhorias na relação entre OSs e Estado. Apesar de sua história bastante recente, é possível visualizar as etapas de consolidação da gestão pública não estatal na área da cultura em São Paulo.
A meu ver, o dinamismo na publicação de Decretos e Resoluções, na busca do amadurecimento do modelo é impingido pela própria especificidade e dinamismo presente na área cultural.
Vale destacar que todas as alterações e incorporações realizadas por meio dos dispositivos legais, visando melhorias no modelo de gestão, foram realizadas paulatinamente e a partir da própria experiência prática que, muitas vezes, precedia a teoria e acabava por determinar a necessidade de estabelecimento de procedimentos via Decretos e Resoluções.
5. Ganhos com o modelo de gestão por publicização
Após anos da implantação do modelo de gestão por Organização Social, os ganhos são visíveis e mensuráveis.
Primeiramente a possibilidade de a Secretaria poder focar, especificamente, na formulação das diretrizes e no monitoramento e acompanhamento da realização das metas e avaliação, enquanto cabe as Organizações Sociais o desenvolvimento dos programas e das ações.
Com relação aos recursos humanos, a possibilidade que as OSs têm de uma agilidade e flexibilidade na contratação das equipes, com adequada remuneração e benefícios, permitindo a renovação de pessoal quando necessário. Essa questão é fator contribuinte, inclusive, de uma maior profissionalização da área, a partir do momento que se pôde buscar no mercado profissionais qualificados para suas respectivas funções, além de fomentar e apoiar o treinamento e desenvolvimento daqueles já contratados.
No caso específico dos museus, a própria implantação de modelos museológicos que atentem para especificidade da cadeia operatória da Museologia, requer a existência de equipes técnicas comprometidas, que tenham consciência e condições de implantação das diferentes etapas dessa cadeia, então acho que esse é um modelo de gestão que responde e que cria condições muito favoráveis para toda a dinâmica da cadeia operatória museológica (informação verbal).
Outro ponto que vale ser destacado é com relação a um dos maiores desafios que o Estado brasileiro, em todas as suas esferas, enfrentam hoje em dia: a Lei de Responsabilidade Fiscal, que estabelece o limite do orçamento que os poderes podem utilizar para pagamento de funcionalismo. Esse desafio se agrava em tempos de crise financeira nacional pois, com a diminuição do orçamento e a manutenção do valor do funcionalismo, uma vez que os salários não podem ser reduzidos, o percentual aumenta, se aproximando sempre muito perigosamente dos limites da responsabilidade fiscal.
No modelo de gestão por Organização Social, todo o recurso investido pelo Estado, que inclui o pagamento pelas OSs dos seus funcionários contratados via CLT, saí da rubrica de custeio do Estado, mas não impacta nesse limite da Lei de Responsabilidade Fiscal. Essa questão permite que o Estado, dentro das suas políticas, possa aumentar os recursos de investimentos para as Organizações Sociais.
Essa flexibilidade e agilidade das Organizações Sociais é vivenciada não só na contratação de funcionários, mas também na compra de bens e contratação de serviços, para a execução de seus Planos de Trabalho.
Com relação aos aspectos financeiros, o Estado passou, após a implantação do modelo, a ter conhecimento do custo de cada equipamento cultural e seus programas, o que no caso da administração direta não ocorria.
Segundo o então Secretário Marcelo Mattos Araujo, por exemplo, na administração direta os custos dos recursos humanos ficavam muitos diluídos em diferentes esferas, então, essa era uma área na qual sempre houve uma enorme dificuldade em se ter um conhecimento mais preciso.
Atrelado ao conhecimento orçamentário da área cultural, está a gestão qualificada e transparente desse orçamento, pelo qual se pode planejar a implantação de ações e sua manutenção a longo prazo e, priorizar ações em detrimento de outras, quando for o caso.
Alinhado a essas duas questões está a possibilidade da obtenção de busca de recursos externos que vão se somar aos orçamentos do Estado, para execução dos planos de trabalho, na medida que isso é uma das metas das Organizações Sociais, que inclusive têm, não só equipes especificas para isso, como também possuem as próprias condições jurídicas para buscar, receber e processar esses recursos.
Essa captação de recursos se dá não só por meio de patrocínio, mas também pela exploração de verbas operacionais: bilheteria, loja, café, aluguel de espaço para eventos, por exemplo. Esse também era um desafio e dificuldade da gestão direta. Esses recursos operacionais não tinham caminho direto de aplicação no próprio equipamento, mas eles eram recebidos pela Secretaria e incorporados ao orçamento do Estado, portanto o retorno para o próprio equipamento era totalmente indireto ou distante, ou na verdade inexistente.
“Essa somatória de questões faz com que o modelo de gestão permita essa visão, esse conhecimento mais preciso e uma agregação de valores e, portanto, isso resultou – nós vemos isso de maneira nítida nas curas orçamentárias da Secretaria – em um aumento do investimento do Estado nos orçamentos dos programas e dos equipamentos, até pela possibilidade que a Secretaria tem de dar visibilidade a esses investimentos” (informação verbal).
Somadas a essas considerações sobre as quais, de fato, pude acompanhar sua evolução, gostaria de incluir alguns aspectos bastante significativos.
A partir da reestruturação da Secretaria e, no caso de nosso interesse, da Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico, vimos que a SEC passa a desempenhar um papel mais propositivo em termos de diretrizes e de acompanhamento, monitoramento e avaliação, deixando para as OSs o planejamento e execução.
Há quem critique o modelo de gestão supondo que o Estado se isenta da administração de seus museus, mas, na realidade, desde sua implantação, que gerou na restruturação acima destacada e, se comparado com a administração direta, a Secretaria da Cultura, nessa tarefa representada pela UPPM, se faz cada vez mais presente no cotidiano das Instituições Museológicas, por meio da divulgação clara de suas diretrizes e políticas públicas, bem como do acompanhamento e avaliação. Cumpre destacar que cada agente dessa relação (UM – UPPM – OS) tem se dedicado a trabalhar em parceria, sem cometer interferências mútuas, o que demonstra a importância de cada qual conhecer bem seu papel.
A própria organização dos Comitês Técnicos, por parte da UPPM e a implantação de uma agenda de visitas técnicas trimestrais aos museus, demonstra o comprometimento no acompanhamento das ações das OSs.
Com relação ao planejamento das ações a serem desenvolvidas pelos equipamentos culturais, além do mesmo atender as diretrizes da Secretaria cuja política pública se faz clara e divulgada, esse planejamento é cumprido durante a realização do Contrato de Gestão, que possui de três a cinco anos de vigência. Esse fato proporciona a continuidade das ações e manutenção de programas que, na administração direta, poderiam simplesmente ser descontinuados por questões pessoais de ingerência de gestão ou, se por falta de recursos, sem grandes análises de prioridades ou repercussão junto ao público.
Outro ganho, a meu ver, foi a implantação da chamada área-meio, inexistente nos museus durante a administração direta, bem como da delimitação da área-fim e profissionalização de ambas.
No caso dos museus, as atividades-fim referem-se à pesquisa, salvaguarda e comunicação de determinado recorte patrimonial, enquanto as atividades meio são as ações administrativo-financeiros que asseguram a realização dos objetivos primordiais do museu (BRUNO; ARRUDA; FIGOLS, 2010, p. 64).
O corpo de conhecimento com relação a procedimentos e processos a serem seguidos na administração de um Contrato de Gestão levou a uma especialização, não só das equipes das Unidades Gestoras da SEC, como dos profissionais contratados pelas Organizações Sociais, que passariam a desenvolver as atividades finalísticas. No caso específico dos museus, as áreas–meio passaram a existir a partir da implantação desse modelo de gestão, profundamente vinculadas às estruturas das Organizações Sociais, com o estabelecimento dos departamentos de Recursos Humanos, Tecnologia da Informação, Infraestrutura, Segurança Predial e Financeiro.
Nessa lógica, as áreas técnicas dos museus, denominadas áreas-fim, seriam formadas por profissionais especializados na temática de cada equipamento, enquanto as áreas-meio estariam compostas por profissionais oriundos de outros mercados de trabalho, que responderiam pela administração do Contrato. Assim, uma Organização Social que possua a administração de mais de um Contrato de Gestão tende a se organizar de forma a ter uma única área-meio atuando com equipes técnicas vinculadas a cada museu.
Na ordem dos avanços e ganhos que o modelo de gestão pôde conferir, do momento de sua implantação até o atual momento, muitas conquistas foram alcançadas e muitos ajustes foram necessários. Principalmente, vale destacar que a parceria com o Estado e os entes de controle e acompanhamento, tais quais Tribunal de Contas do Estado e Secretaria da Fazenda, vem se estreitando significativamente, no qual cada um vem reconhecendo seu papel e possibilidades de melhorias no processo.
O modelo de Organização Social ainda se mostrou assertivo nos momentos de cortes orçamentários, onde foi possível mapear as ações prioritárias e realizar escolhas que primassem pela não descontinuidade de programas importantes para a cadeia operatória museológica, além de tomar decisões com relação ao incremento de captação de verbas oriundas de outras fontes que não o repasse do Estado.
Além disso, sem dúvida, acredito que o maior ganho conquistado foi o nível de transparência e retorno a sociedade por meio das publicações constantes dos Contratos, Planos de Trabalho, Prestações de Contas, salários, processos de contratação de pessoal, de compras e serviços.
Entretanto, o modelo de gestão por publicização, ainda hoje, carece de defesa e explicação. Pese o resultado visível e tangível que os museus administrados por OSs apresentam fica a pergunta: Qual será o próximo desafio?
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Esse artigo foi extraído da dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Interunidades em Museologia – USP.
Para acessar a dissertação na íntegra clique aqui.
Quem escreveu:
Autor da Postagem: Bianca Corazza
Bianca Corazza é Museóloga e Assessora de Planejamento e Gestão na Associação Pinacoteca Arte e Cultura – APAC. Ao longo de 25 anos de experiencia na área de museus, atuou em projetos no MAM, MASP, MAB – FAAP e Museu Lasar Segall. Graduada em Publicidade, Propaganda e Marketing pela Universidade Mackenzie - São Paulo, Bianca tem MBA em Marketing pela EADA - Barcelona - Espanha, pós-graduação em Curadoria e Crítica da Arte pela Faculdade Belas Artes e Mestrado em Museologia pela USP, na área de Gestão Museológica.