No dia 18 de maio inaugurou a mais nova exposição na Pina Contemporânea Sonhar a água – Uma retrospectiva do futuro (1964…), a primeira grande mostra da artista chilena Cecilia Vicuña no Brasil.
Um dia antes da abertura ao público, a poeta, artista visual e ativista feminista participou de um bate-papo junto ao curador da exposição, Miguel López.
Na conversa mediada pela curadora chefe da Pinacoteca, Ana Maria Maia, Cecilia falou como ela e Miguel chegaram à exposição, além de comentar sobre pautas políticas e ambientais e a sua influência sobre artistas jovens brasileiros.
Leia parte desse bate-papo a seguir!
[ANA MAIA] Quero fazer uma ponte com o título e subtítulo da exposição “Sonhar a água: uma retrospectiva do futuro”. O futuro está vinculado ao passado, ao retrospecto. Acho que é muito impactante quando a gente vê que muitas urgências que estão sendo discutidas hoje já estão no seu trabalho desde os anos 60.
Queria que você comentasse sobre esse reencontro com causas ambientais, feministas, políticas. Como você vê a transformação dessas causas, a persistência das lutas e seu impacto em gerações jovens de artistas?
[CECILIA VICUÑA]: Eu creio que nossas células são antecipatórias, e todos temos a habilidade de pressentir o que vai acontecer. Essa habilidade foi apagada pela cultura ocidental. Então certas pessoas como artistas ou poetas, indígenas ou pessoas de gênero autodefinido, temos uma sensibilidade, um desejo de não renunciar nossa sensibilidade real e profunda. E acho que aí está a força.
Acho que eu fui capaz de ver todas essas coisas que estão presentes na minha poesia e arte dos anos 60 porque tinha decidido não ficar colonizada. Quando eu era menina entendi que meus pensamentos eram diferentes do que era ensinado na escola ou pelos adultos. Eu não vou andar assim, não vou dançar assim, não vou ser assim.
Eu vejo agora essa decisão nos jovens, não em todos porque tem muita gente jovem conservadora: eles sofrem de medo, e medo se converte em ódio. Então é uma coisa perigosa.
Acho que a resposta de pessoas jovens agora vai mudar a civilização humana. Nos anos 60 eu fiquei sozinha, agora ninguém está sozinho, tem muita gente que sente que estamos em perigo de morte da civilização humana. É um momento de muita beleza porque cada um tem que tomar a decisão: vou ouvir meu medo ou vou ouvir meu desejo de agir, descobrir, de tocar, de unir-se?(…)
[ANA MAIA] Miguel, peço que nos localize nessa relação tão profícua entre você e a Cecilia. Pelo que eu sei ela começa em 2014 e depois disso ela rende alguns trabalhos juntos. Fale do que motivou você a fazer essa pesquisa e de como vocês chegaram a essa exposição que está inaugurando na Pinacoteca.
[MIGUEL LÓPEZ] (…) Acho que a exposição nasceu dessa sinergia que você disse. Porque o primeiro encontro que a Cecilia e eu tivemos foi muito especial, muito marcado pela energia.
Eu estava escrevendo um texto sobre uma exposição e lembro que fiquei apaixonado pelas pinturas que ela fez nos anos 60. Tem uma delas aqui na exposição, Fidel e Allende, uma pintura de 1972, quando a Cecilia estava a fazendo uma série de retratos homoeróticos, com uma sensualidade andrógina muito especial. Ela estava reivindicando o que ela chamou de “socialismo erótico”, uma defesa do prazer como um lugar político, como um motor da política.
Eu acho que o pensamento da Cecilia foi ridicularizado, foi ignorado. E eu lembro que escrevi sobre essas pinturas que ela fez nos anos 69, 70 e 71. Eu mandei um e-mail para ela e ela começou a me mandar manuscritos escaneados das primeiras pinturas poemas que ela fazia.(…)
[ANA] E como foi o primeiro encontro de vocês até chegar nesta exposição da Pina?
[MIGUEL] Foi em 2014, em Nova York, no seu apartamento. Cecilia abriu a porta e ela tinha um quartzo na mão, como um pêndulo. E eu estava impactado, não sabia o que estava acontecendo, e a Cecilia fechou os olhos e perguntou para o quartzo se eu iria fazer bem pra ela. Ela ficou em silêncio por alguns segundos, abriu os olhos, sorriu e me deixou entrar. E assim começa a história.(…)
Conversamos por quatro horas e, ao final dessa conversa, eu já sabia que eu tinha que fazer essa exposição.(…)
A Cecilia tinha essa intuição “meu trabalho não tem lugar no mundo nesse momento”, mas a gente foi criando esse lugar. (…)Essa exposição é a segunda retrospectiva que a gente faz junto, a primeira foi apresentada pelo Institute Melly, em Rotterdam, que viajou para o México, Colômbia e Espanha. E essa segunda retrospectiva, que é a maior que acontece, foi desenvolvida com o Museu Nacional de Belas Artes do Chile. A Varínia [Brodsky], diretora, foi muito importante para o desenvolvimento desse projeto.
A gente, eu e a Cecilia, queríamos fazer uma exposição para o Chile, para a América Latina, porque a gente sentia que o trabalho dela não havia sido contextualizado na América do Sul.(…)
Esta é uma segunda retrospectiva muito ambiciosa, porque inclui desenhos eróticos que nunca havia sido mostrados, pinturas colagens, tecidos, poemas, muita coisa que está sendo mostrada pela primeira vez e é uma alegria poder compartilhar…e pensar também qual é a conexão que esse trabalho tem hoje no Brasil, neste momento.
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Assista o vídeo da entrevista na íntegra:
A exposição Sonhar a água – Uma retrospectiva do futuro (1964…) está em cartaz no edifício Pina Contemporânea até 15 de setembro de 2024.
Em breve a Pina lançará um documentário inédito sobre a mostra. Fique de olho nas nossas redes sociais e site!
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Quem escreveu:
Autor da Postagem: Pina
Equipe Pinacoteca