Blog da Pina

Postagem: A obra como um livro: reflexões sobre livro de artista

Publicado em 16 de agosto de 2024

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: Pina Explica

A fim de compreender e apreciar um livro da velha arte é necessário lê-lo completamente. Na nova arte, você frequentemente não precisa ler todo o livro. A leitura pode parar no exato momento que você entendeu a estrutura total do livro. (Ulises Carrión)

Livro Latinamerica 2020, Gabriela Noujaim. Foto: Rafael Adorján

Ulises Carrión (1941 – 1989) talvez tenha sido um dos primeiros artistas a se debruçar sob a definição conceitual do gênero de múltiplas linguagens que conhecemos como “livro de artista“. Em 1975 o artista conceitual publica o manifesto The New Art of Making Books, onde se dedica a categorizar este tipo de produção e suas infinitas possibilidades de forma, teorizando este tipo de produção plástica como obra.

Partindo desse termo bastante abrangente, podemos, numa primeira vista, compreendê-lo como um caderno de anotações, desenhos e rascunhos de um determinado artista. Como por exemplo, os cadernos de viagens de Jean-Batiste Debret ou mesmo Eugène Delacroix durante o século 19, que registraram territórios de interesse mercantilista para as cortes europeias, exaltando o caráter primitivo ou exótico de regiões ocupadas pelo processo colonizatório.

Mesmo que o termo “livro de artistas” tenha se deslocado para a práxis das artes visuais, artistas contemporâneos continuam criando almanaques de bolso, apresentando um conjunto de práticas e pensamentos poéticos que acompanham um processo criativo. Ainda que muito relevantes como objeto documental sobre produção de um determinado artista, o que nos interessa aqui é compreender o outro uso do termo, que, a partir dos anos 1970, se desloca para o campo das artes visuais como obra de arte.

Sob diversas linguagens e técnicas, os artistas de vanguarda da metade do século 20 começaram a exaltar seu interesse por novas formas de arte, apresentando operações inovadoras que partiam do livro como suporte para propor outras formas de leitura. Extrapolando o formato convencional, mas ainda se apropriando dele, os livros de artistas normalmente apresentam um caráter experimental, apresentando informações visuais codificadas e simbólicas.

Assim como em obras de arte, a leitura de um livro de artista se dá pela análise de sua estrutura e característica estética, contrapondo a vocação do livro como elemento de leitura textual.

Segundo Stephen Bury (1995):

“livros de artista são livros ou objetos em forma de livro; sobre os quais, na aparência final, o artista tem um grande controle. O livro é entendido nele mesmo como uma obra de arte. Estes não são livros com reproduções de obras de artistas, ou apenas um texto ilustrado por um artista. Na prática, esta definição quebra-se quando o artista a desafia, puxando o formato livro em direções inesperadas” – BURY, Stephen. Artists’ Books: The Book As a Work of Art, 1963–1995. Scolar Press, 1ª edição. Leicester, England; 1995.

 

Exemplos de livros de artistas

Um ótimo exemplo é a obra Censored book (1974) do artista estado-unidense Barton Lidicé Benes, onde é apresentado literalmente um objeto de leitura, porém engessado, pregado e amarrado, impossibilitando assim uma leitura textual da obra.

Livro Censured Book (1974), Barton Lidice Benes. Foto: Center for Book Arts Collections

Já o artista luso-brasileiro Artur Barrio produziu em 1979 a obra Livro Carne. Conhecido por seu trabalho conceitual, Barrio quase sempre apresenta procedimentos e experimentações que fazem uso de materiais efêmeros e precários, como sal, papel higiênico, sangue, pó de café e pão. Livro Carne é um de seus trabalhos mais emblemáticos: composto por um pedaço de carne talhado em formato de livro, a obra se decompunha diante do público, tendo que ser reposta a cada três dias. Em plena Ditadura Militar brasileira, seu trabalho se configurava como uma metáfora evidente à violência policial do período.

Já utilizando a palavra como elemento estrutural da obra, Como imprimir sombras (2012) de Waltercio Caldas exprime com clareza a apropriação de elementos constituintes de um livro convencional (forma e texto), para extrapolar o sentido original do objeto. Em seu trabalho, um elemento externo a estrutura da própria obra, a luz, ganha importância singular ao imprimir a imaterialidade da sombra no objeto.

Livro Como imprimir sombras, Waltercio Caldas. Foto: Carbono Galeria.

Assim, vezes desafiando os limites do próprio gênero, artistas de diversas gerações vêm se apropriando do conceito de “livro de artista” como suporte de experimentação de linguagem e poética, e a cada nova investida, essa particular linguagem das artes visuais ganha novos sentidos e categorias.

Ciclo de leituras

Em 2024 a Pina deu início ao primeiro programa de leitura de suas coleções especiais. Em quatro encontros mediados pela pesquisadora e artista Paula Almozara, ou pelos próprios autores das obras, o público poderá entrar em contato com uma seleção de obras categorizadas como “livro de artista”.

Os próximos encontros acontecerão no edifício Pina Contemporânea nos dias:

  • 17 de agosto
  • 14 de setembro

Acesse a página da atividade para mais detalhes.

 

Quem escreveu:

Autor da Postagem: Clarissa Ximenes

Curadora, produtora e pesquisadora, Clarissa é pós-graduada em Gestão em poéticas contemporâneas: Da ampliação do repertório à formação de equipes colaborativas (Itaú Cultural, 2020), em Produção Cultural (CELACC/USP, 2015) e formada em licenciatura e bacharelado em Artes Visuais na UNESP (2013). Além de fundadora do BANANAL, Clarissa é curadora de programação na Pinacoteca de São Paulo desde 2023. Entre 2017 e 2022 trabalhou como curadora assistente da Associação Cultural Videobrasil, onde integrou a equipe curatorial da 20˚ e 21˚ Bienal de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil, além de inúmeras programações internacionais e nacionais (exposições, residências artísticas, cursos, entre outros) para o Videobrasil. Desde 2015 trabalha como freelancer em curadoria e produção para diversas instituições e projetos, destacando-se colaborações com a Casa do Povo (2021), Associação Casa Azul / FLIP (2020, 2021, 2022), Sesc Pompéia (2018), Vila-Itororó (2017), Fundação Bienal de São Paulo (2016). Paralelamente, desenvolve seu trabalho autoral com o Coletivo Foi à Feira, pesquisando e propondo ações e projetos que atuem nas interseções entre artes visuais, memória e cidade.

Foto de Clarissa Ximenes

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