Projeto Aldear!
Inicia seu primeiro ano de atividades com apoio da Pinacoteca de São Paulo e do MAC-USP. Parte do projeto internacional Decay Without Mourning, Aldear! propõe debate sobre maneiras alternativas de conceber e resguardar acervos indígenas. Para isso, irá fomentar o diálogo acerca dos acervos de manifestações estéticas indígenas em instituições não-indígenas, casas de saberes e em museus geridos por indígenas no Brasil.
Iniciado em fevereiro de 2022, Aldear! é um dos núcleos do projeto Decay Without Mourning: Future-thinking heritage practices, financiado pelo Riksbankens Jubileumsfond, junto com a Fondazione Compagnia di San Paolo e a Volkswagen Foundation. Além das pesquisas focadas no patrimônio cultural indígena brasileiro, Decay Without Mourning conta também com projetos desenvolvidos na Suécia, África do Sul, Japão e Antártida. No Brasil, acolhido pela Pinacoteca de São Paulo e pelo MAC-USP, o projeto pretende conhecer iniciativas que envolvem o resguardo e a manutenção de manifestações estéticas indígenas, refletindo sobre as perdas ocorridas nos processos de produção e preservação no contexto colonial. O projeto também trata das formas de resistência que os povos indígenas têm criado durante todo o processo de colonização, inclusive a entrada em espaços e instituições museológicas, e como esses povos têm refletido sobre a maneira como querem ocupar essas instituições.
Em comum, as pesquisas de Decay Without Mourning: Future-thinking heritage practices se movimentam a partir da problematização do discurso da perda nos estudos patrimoniais, procurando ensejar uma mudança de paradigma: encarar os processos de preservação não como retaguarda contra a perda, mas como possibilidade de desencadear processos generativos e criativos.
“Pretendemos conhecer e reconhecer iniciativas, mas também, nesse processo, construir alianças com os caminhos alternativos propostos por esses agentes e grupos indígenas. Queremos trabalhar juntos, refletindo sobre as possibilidades e maneiras de colocar a nossa experiência como pesquisadores, artistas, curadores e comunicadores em favor deste debate” explica a historiadora da arte e coordenadora brasileira do projeto Fernanda Pitta. Além dela, a equipe do Aldear! é composta pelos artistas e pesquisadores Naine Terena e Bruno Moreschi que, de maneira interdisciplinar, constroem proposições sobre a questão dos acervos de instituições culturais, suas formas de acesso, divulgação e construção de diálogos com grupos indígenas. Thierry Freitas, da equipe curatorial da Pinacoteca, será o responsável pela instituição pelo acompanhamento do projeto.
Naine Terena comenta que a ideia de aldear se relaciona com a própria movimentação dos indígenas em diversos campos de atuação, inclusive do movimento indígena organizado. No projeto, aldear é uma maneira de pensar a decadência/decaimento de sistemas de pensamentos e o resguardo dos patrimônios indígenas, simbolizando o movimento de insurgência das contranarrativas dos povos originários. A pesquisadora afirma: “Tenho acompanhado muitas iniciativas, observando o debate acerca das manifestações estéticas indígenas. Procuro não resumir a etimologia da palavra estética a um único campo de pensamento, tampouco encerrar as manifestações indígenas no campo específico da arte ocidental e de suas linguagens.” A pesquisadora também afirma: “Sentir, perceber, experienciar são algumas das possibilidades para visualizar o debate em torno das manifestações, o que nos ajuda a perceber as diversas formas dos povos indígenas existirem no mundo – seja a partir dos cantos, danças, objetos – tudo aquilo que manifesta a presença indígena, sua memória e suas histórias”.
Ainda segundo Naine, “o importante é compreender que as definições são particulares a cada povo. Não pretendemos criar ou colocar essas manifestações dentro de conceitos ou termos que não comunguem com o que pensam aqueles que produziram e continuam produzindo esse aldeamento, que inclusive reflete e se posiciona em relação àquilo que chamo de desencanto das instituições museológicas, especialmente aquelas que mantêm grandes acervos indígenas”, finaliza.
Já Bruno Moreschi aponta a necessidade de construir soluções em colaboração com os grupos e pessoas envolvidas no projeto, a fim de atender demandas sempre a partir de especificidades internas. “Um exemplo disso é a questão dos bancos de dados. Identificamos em algumas conversas essa necessidade comum de registrar e circular parte dessas manifestações estéticas indígenas, que hoje se encontram em museus, ou mesmo dentro das próprias comunidades. Mas esses repositórios só fazem sentido se forem construídos a partir de necessidades específicas, definidas pelos indígenas”, explica o artista.
Os trabalhos iniciaram-se com um primeiro evento que ocorreu de 03 a 07 de março de 2022 na Cidade do Cabo, África do Sul, com a presença das equipes de todos os países citados. Ao longo de seu primeiro ano, o Aldear! realiza conversas com grupos de indígenas e instituições que estão nesse momento atuando com acervos e desenvolvendo estratégias de preservação.
Para o fim de 2022, um encontro na Pinacoteca de São Paulo, entre os dias 16 e 18 de novembro, reunirá indígenas que se interessam pela problemática e por fortalecer as diferentes percepções sobre a ideia de decadência, perda e preservação. A participação nesse encontro se dará por convite e através de um formulário de intenção de participação amplamente divulgado. O encontro será complementado por uma mesa-redonda aberta ao público no dia 18 de novembro de 2022.
A Pinacoteca do Estado de São Paulo e a temática indígena
Em 2020 a Pinacoteca de São Paulo realizou a exposição de arte indígena – Véxoa: nós sabemos, curada por Naine Terena, no âmbito do projeto OPY, agraciado com o prêmio Sotheby’s, como parte de um processo de revisão do seu acervo e da política do museu em relação às manifestações estéticas indígenas iniciado em 2017. A ausência de coleções indígenas na Pinacoteca, que até 2019 só contava com uma obra de artista indígena em seu acervo, foi o ponto de partida para esse processo de reflexão, que deu ensejo a uma série de ações como a realização de Véxoa, além do incremento da presença indígena nas coleções do museu, que hoje contam com trinta e quatro obras de quinze artistas e grupos. O envolvimento de artistas indígenas nas residências artísticas, na programação de exposições e nos programas educativos também são ações em construção neste momento. Aldear!, composto por Naine Terena, Fernanda Pitta e Bruno Moreschi, é gerido pela Pinacoteca de São Paulo e coordenado por Fernanda Pitta, que foi curadora da instituição até 2022, e agora é docente no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, instituição também parceira da iniciativa.
O MAC-USP e a temática indígena
Apesar da presença central que as manifestações estéticas indígenas têm nas narrativas da arte moderna e contemporânea no Brasil, é quase nula a presença de artistas e produções indígenas nos museus de arte do país. A história da relação do MAC-USP e a arte indígena é tangenciada pela atuação de Walter Zanini, que promoveu a discussão sobre a ampliação das fronteiras das manifestações estéticas na contemporaneidade. Esse debate reconheceu a importância da arte indígena, por meio de publicações e exposições temporárias, mas ele não foi feito pelos povos originários. O MAC-USP hoje tem o desafio de escuta dos sujeitos indígenas sobre a dívida histórica dos museus de arte em relação às suas manifestações estéticas, e de construção de alianças para reforçar o protagonismo de artistas, curadores e agentes culturais indígenas, na preservação, valorização e na afirmação da presença das manifestações estéticas indígenas nos museus de arte, a fim de estabelecer diretrizes para futuras iniciativas compartilhadas. No contexto de Aldear!, o museu promoverá o diálogo com os grupos indígenas ligados ao projeto, no sentido de debater seu acervo, seu programa expositivo e educativo, problematizando as relações entre a história da arte no Brasil e as manifestações estéticas indígenas, refletindo sobre a diferença que este Museu, seu acervo (presente e futuro), suas pesquisas e programas públicos podem fazer para os grupos/indígenas envolvidos.
Mais informações:
Decay without mourning: future thinking heritage practices
Lize-Marie Hansen van der Watt, KTH Royal Institute of Technology, Sweden
Lizabé Lambrechts, Stellenbosch University, South Africa
Fernanda Pitta, MAC-Universidade de Sao Paulo, Brasil
Financiado pelo Riksbankens Jubileumsfond, GI21-0001 https://www.facebook.com/groups/1166755847226205
Fotos
Imagens: Christina Rufatto, Isabella Matheus